26 de maio de 2011

Pedro, o que é depressão? - Capítulo IV

- Não acredito que passaste por isso sem contar nada a ninguém. Como sobreviveste? - dizia, puxando-o para si, enquanto ele tentava, em vão, conter as lágrimas que já a algumas horas rolavam pelo seu rosto.
- Chora Pepe, chora. Pare de lutar contra seus sentimentos. Expele esta tristeza sem fim.
Permaneceram abraçados por alguns minutos, o soluçar sofrido de Pedro lhe cortava o coração, pensava no quão pequenas eram suas aflições se comparadas às dele. Por um instante sentiu-se uma tola, mas logo este sentimento passou, afinal, a intensidade dos problemas que nos acometem pode ser sentida e entendida apenas pelo acometido em questão.
Desvencilhou-se cuidadosamente de seu abraço, segurou-lhe os ombros posicionando-o frente a si e disse:
- Pedro, tu sabes bem o quanto eu gosto de você, não se faz necessário repeti-lo. Aliás, já foi um sacrifício enorme arrancar de mim esta verdade. Não quer mais ver-te sofrendo, expugnes esta tristeza, tens o mais lindo sorriso que já vi, não o deixes desaparecer.
Ele permanecia estático, com os olhos fixados nos dela, tentava expressar-se sem palavras pois as mesmas não lhe chegavam a boca. A sintonia entre eles era tamanha, que conseguira. Sem sequer movimentar os lábios a fizera saber o quão importante era o seu apoio, e quanta diferença fazia em sua vida, desde que, naquele primeiro dia, seus olhares se cruzaram sabia que a amizade havia sido selada. Amizade? Mais que isso, um amor de verdade, despretensioso e desinteressado. Como se houvesse entre eles uma ligação mística, entre almas.
- Você é inexplicável - balbuciou com certa dificuldade, a voz ainda embargada pelo choro - às vezes penso que é fruto da minha imaginação.
Os olhos encheram-se de lágrimas novamente, era difícil revirar as memórias, tão doloridas, sem desfazer-se da postura jovial e tranquila que levava consigo.
- Como consegues esconder tudo isso? Não deixas transparecer nem por um instante, teu olhar é ardiloso, enganador. - perguntou Sofia, com real curiosidade.
Por mais que tentasse, não importa quais métodos utilizasse, não conseguia esconder a tristeza que sentia, sentia asco do convívio social, não queria nada além de seus livros por perto e deixava isso bem claro, senão com atitudes, com o olhar sincero - até demais.
- Sofi, há muita coisa a aprender, você é apenas uma criança e, apesar de tudo pelo que passou, verá que não vale a pena isolar-se do mundo. Pelo contrário, deve se divertir com o que ele tem a oferecer, aproveitar-se das boas coisas... Deixe que as ruins o tempo ameniza.
Ela forçou um sorriso, puxou seu rosto para si e deu-lhe um beijo, ao afastar-se passou a língua sobre os lábios e pôde sentir aquele sabor tão familiar.
Que escárnio do destino, Sofia passara tantos anos sentindo o gosto amargo de suas próprias lágrimas e agora sentia o sabor daquelas que pertenciam à pessoa que mais a fazia feliz.

25 de maio de 2011

Contraste.

É incrível a habilidade que temos de nos desfazer das coisas simples da vida. Num passado final de semana, refiz o trajeto que faço cotidianamente dirigindo-me ao trabalho. Qual não foi a minha surpresa ao flagrar-me admirando o caminho, o mesmo das segundas e terças feiras monótonas e sonolentas. Observava os raios de sol atravessando a embarcação de ponta a ponta, como um manto de luz acariciando a superfície. E quão calmo estava o mar, quase que propositalmente para entrar em harmonia com aquele lindo dia.
Lembrei-me de um dia em que estava a observar o mar, com sua inquietude perturbadora, transformando a minha na mais autêntica paz.

24 de maio de 2011

Uma carta para não ser entregue.

Querido Pepe,

Como estás? Tuas cartas não chegam mais, aconteceu algo? Tento convencer-me que há algo de errado com o correio, mas a razão não me permite tais luxos. Sei que tudo está errado para ti, tens o peso do mundo sobre as costas, e eu aqui, tão distante. Por que não vens para perto? Onde eu possa lhe afagar os cabelos, onde possas repousar tua cabeça sobre o meu colo e chorar, pôr tudo para fora, chega de sofrer em silêncio. Sim, eu soube do falecimento de seu pai, e não sabes o quanto o sinto, mas sinto mais a tua falta. Podes achar egoísmo da minha parte, de fato, sabes o quão egoísta eu sou, mas sinto falta das nossas horas desperdiçadas em disputados riffs e acordes desarmoniosos, nossos debates calorosos e discussões... Ainda acho Poe melhor que Henry James, embora este último tenha conquistado um lugar cativo em minha estante. Há tantas coisas que queria lhe falar, mas agora todas elas parecem fugir da minha mão trêmula, que lhe escreve com saudade, com verdade e cheia de solidão. Aliás, depois de tua última carta, foi tudo que me sobrou, a solidão... e me agarrei a ela, a fiz fiel companheira. Saudade dói Pepe, dói lá no fundo da alma, não espero que me compreendas, mas queria que estivesses ao meu lado, que brigasses comigo toda vez que fizesse besteira, que me desses os teus conselhos dos quais sempre fiz questão de me desfazer. É triste perceber a beleza dos castelos de areia apenas depois do vento tê-los destruído. Serás sempre a minha fortaleza, meu escudo, e mais que tudo, minha fraqueza. Minha solidão é culpa tua, minha tristeza constante advem de você. Te amo e quero livrar-me de ti.

Em definitivo.

Com amor, 
e muita raiva, 
Sofia.